• info@alanurla.org

POSICIONAMENTO DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NUTROLOGIA (ABRAN) A RESPEITO DE MICRONUTRIENTES E PROBIÓTICOS NA INFECÇÃO POR COVID-19

Considerando-se a pandemia causada pelo COVID-19 e a preocupação da ABRAN com a promoção da saúde e prevenção de doenças, a prevalência de desnutrição específica no Brasil e o papel de vitaminas e minerais no sistema imunológico, e após análise rigorosa das evidências disponíveis até a presente data, a Associação Brasileira de Nutrologia aqui elenca vitaminas e minerais com atuação de maior relevância no cenário da síndrome respiratória aguda grave causada pelo COVID-19 (SARS-CoV-2). Importante enfatizar que nenhum desses nutrientes trata diretamente a infecção pelo COVID-19.

Fundamentado na literatura vigente, relacionado não somente ao COVID-19, mas também a outros vírus, o presente documento descreve os efeitos benéficos dos tratamentos das deficiências específicas referentes às vitaminas A, D, C, zinco e selênio, além do possível papel dos probióticos.

Vitamina A

Há evidências de que a suplementação de vitamina A reduz morbidade e mortalidade em várias infecções como HIV, malária, sarampo, pneumonia associada a sarampo e diarreia. Resultados adversos durante infecções virais têm sido associados a baixos níveis de vitamina A. Essa hipótese foi explanada em recente revisão que propõe que a vitamina A deve ser considerada em pacientes portadores de COVID-19.

Embora seja importante tratar as deficiências de micronutrientes, não existem ainda evidências de que doses supra fisiológicas de vitamina A possam prevenir ou melhorar clinicamente os portadores de COVID-19. Deve ser ressaltado que há risco de toxicidade se ingerida em altas doses. Assim, não se recomenda a ingestão de supra doses de vitamina A e de seu precursor (β-caroteno) visando diminuir esse risco.

A RDA (Recommended Dietary Allowance) é a diretriz que representa a meta diária de ingestão de nutrientes para indivíduos saudáveis. A da vitamina A é de 700 mcg/d para mulheres e 900 mcg/d para homens. Tais valores podem ser alcançados somente pela alimentação na maioria das pessoas. Os alimentos considerados melhores fontes de vitamina A, na forma de retinol, são os de origem animal, tais como vísceras (principalmente fígado, óleos de fígado de bacalhau e de linguado gigante), além de gemas de ovos. Já os carotenoides são encontrados em vegetais folhosos verde-escuros e vegetais e frutas amarelo-alaranjadas (manga, mamão, abóbora, cenoura, batata doce, espinafre, mostarda e couve). Em alguns casos, a suplementação pode ser necessária. Os polivitamínicos disponíveis no mercado têm cerca de 55 até 167% da RDA.

Vitamina C (ácido ascórbico)

A vitamina C pode reduzir a suscetibilidade do hospedeiro a infecções do trato respiratório inferior sob certas condições, assim como exercer funções fisiológicas para diminuir os sintomas gripais, por sua ação anti-histamínica fraca.

Estudos controlados em humanos relataram que havia incidência significantemente menor de pneumonia em grupos de pacientes suplementados com vitamina C. Avaliando a suplementação de altas doses de vitamina C para pacientes com síndrome do desconforto respiratório grave, recente estudo considerou uma opção de tratamento segura em relação a desfechos secundários pesquisados (menor mortalidade após 28 dias de internação em UTIs, dias sem UTI e dias sem hospital). Em uma revisão sistemática, a ingestão de 1g/dia de ácido ascórbico reduziu a duração da gripe (8% para adultos e 14% para crianças). Os autores não recomendaram a suplementação de rotina devido à ausência de efeito na incidência dos resfriados e gripes. Entretanto, a gravidade da gripe foi reduzida com a utilização regular de vitamina C, podendo ser considerado um tratamento seguro e de baixo custo.

Com relação especificamente ao COVID-19, recente revisão sugere que a vitamina C pode ser uma das escolhas para o tratamento de suporte, embora sejam necessários estudos longos e sistemáticos. Para indivíduos sob risco de infecções virais respiratórias, a utilização de doses elevadas de vitamina C (até 2g/dia) por via oral pode ser indicada.

A deficiência de vitamina C em indivíduos vivendo na comunidade é rara, uma vez que é abundante na natureza. As principais fontes são as frutas cítricas e vegetais crus. As necessidades diárias recomendadas são variáveis entre países indo de 45 mg a 110 mg/d. No Brasil, adota-se a RDA de 75 mg/dia para mulheres e 90 mg/d para homens.

Vitamina D (colecalciferol)

A atuação da vitamina D na resposta imune vem sendo amplamente estudada. Vários estudos mostram que o colecalciferol aumenta a expressão de peptídeos antibacterianos, contribuindo para melhor resposta imunológica do hospedeiro. A relevância da vitamina D se baseia no aumento da evidência de que sua suplementação e restauração para valores normais em pacientes infectados possam melhorar a recuperação, desta forma reduzindo os níveis de inflamação e melhora da ativação imunológica.

As principais fontes alimentares são peixes com alto teor de gordura (salmão, sardinha), gema de ovo, fígado, leite e seus derivados.

Tendo em vista a atual pandemia de COVID-19, é relevante atentarmos para a letalidade maior em pessoas acima de 60 anos. Nesses indivíduos se observa maior prevalência de hipovitaminose D e menor exposição solar (isolamento social) com consequente comprometimento da resposta imune.

A RDA é entre 600 a 800 UI/d. Baseado nas melhores referências disponíveis, a utilização de vitamina D entre 2.000 e 4.000UI/dia por via oral pode ser indicada em grupos de risco ou de baixa exposição solar.

Entretanto, na presença de déficit de 25-hidroxivitamina D (25 [OH] D), o colecalciferol deve ser prontamente fornecido de acordo com os resultados dos níveis séricos. A reposição recomendada por via oral é 50.000 UI / semana, se níveis séricos de 25 (OH) D <20 ng/mL e de 25.000 UI /semana, se 25 (OH) D ≥20 a <30 ng/mL.

Zinco

Zinco é um oligoelemento essencial determinante para manutenção da função imune inata e adaptativa. Embora o mecanismo seja incerto, tem sido relatada atividade antiviral do zinco pela inibição da replicação viral em cultura de células, inibindo a atividade da polimerase do RNA do coronavírus e pela amplificação da ação antiviral de citocinas e interferon humano (IFN-α).

Estima-se que a deficiência mundial de zinco seja em torno de 17 a 20%, especialmente em países em desenvolvimento da África e Ásia. Nos países desenvolvidos, a deficiência de zinco ocorre em idosos, veganos/vegetarianos e em portadores de doenças crônicas, como doença inflamatória intestinal e cirrose. Sua ação contra o coronavírus foi mostrada por estudo in vitro. Estudos com relação ao novo coronavírus ainda não estão disponíveis.

O conteúdo de zinco varia entre os alimentos. Mariscos, ostras, carnes vermelhas, fígado, miúdos e ovos são consideradas as melhores fontes de zinco. Vale ressaltar que, a absorção intestinal de zinco de alimentos vegetais não é tão grande quanto de alimentos de origem animal. Portanto, os vegetarianos podem precisar de até 50% mais de zinco na dieta do que os não vegetarianos. O nível superior de ingestão de zinco é de 40 mg por dia. Consumir mais do que essa quantidade pode aumentar o risco de deficiência de cobre, bloqueando sua absorção.

Vários micronutrientes são depletados durante a resposta inflamatória, o que torna difícil a interpretação de valores abaixo do nível de referência. Por outro lado, evidências recentes parecem mostrar que sepse recorrente está associada à concentração sérica persistentemente baixa de zinco.

Apesar da difícil interpretação do nível baixo de zinco em pacientes sob inflamação, recente revisão recomenda que, para suporte da função imune ideal, a ingestão de zinco segue a mesma da RDA e deve ser de 8 (mulheres) e de 11 (homens) mg/dia. Na vigência de diarreia aguda, recomenda-se zinco entre 20 e 40 mg/dia via oral.

Selênio

Durante infecções virais, espécies reativas de oxigênio e de nitrogênio (radicais livres) são abundantemente produzidas, o que sobrecarrega o sistema de defesa antioxidante e induz desequilíbrio redox (estresse oxidativo). Tal cenário proporciona e amplifica a replicação viral, desequilibrando a resposta imunológica. O selênio ocupa papel importante na defesa antioxidante do hospedeiro e no grau de patogenicidade do vírus.

A ingestão diária de selênio recomendada é de 55 mcg segundo a RDA. Selênio em doses mais elevadas (200 mcg) pode atuar como coadjuvante no tratamento de infecções, contudo, não podem ser utilizadas por tempo prolongado.

O conteúdo de selênio, presente em vários alimentos como a castanha do Brasil, pode variar de um local para outro de cultivo. O consumo de 3 castanhas do Brasil (15g) corresponde a recomendação diária de ingestão sugerida recentemente. Outras fontes são peixes (sardinha, salmão), fígado de boi, farelo de arroz, farinha de trigo integral.

Baseado nas melhores evidências disponíveis, a utilização de doses diárias de 55 mcg de selênio pode ser indicada e doses acima desta RDA deverão ser avaliadas conforme nível sérico. Esta dose pode ser encontrada em determinados polivitamínicos disponíveis em território brasileiro.

Probióticos

O trato gastrintestinal humano abriga uma enorme população de microrganismos, denominado microbioma intestinal humano, que interagem entre si e sobre o epitélio e o sistema imunológico do hospedeiro. Alterações nas quantidades relativas à população e à diversidade microbiana intestinal podem romper as interações benéficas entre a microbiota e o hospedeiro (disbiose), apresentando um efeito direto na saúde humana. Alguns pacientes portadores de infecção por COVID‐19 apresentam repercussões gastrintestinais (dor abdominal, diarreia) devido à contaminação viral direta da mucosa intestinal ou consequente às alterações do tratamento específico (medicamentos anti-virais ou anti-bacterianos, para o tratamento de infecções secundárias). Tal fato representa uma redução local significativa na quantidade de microbiota, tais como lactobacillus e bifidobacterium. O desequilíbrio microecológico pode levar à translocação bacteriana intestinal, favorecendo infecções secundárias e piora do quadro geral. Embora não existam estudos robustos, recomendações recentes sugerem o uso de probióticos em infecções pelo COVID‐19 reduzindo as chances de translocação bacteriana intestinal. Estudos sistemáticos suportam utilização cuidadosa de probióticos ou simbióticos, reduzindo pneumonia associada à ventilação mecânica e infecções em doenças críticas. Para os centros que apresentarem recursos relevantes e puderem realizar análises da flora intestinal (por exemplo, sequenciamento da microbiota), a prescrição pode ser realizada de acordo com os resultados. A indicação de probióticos pode ser considerada nos casos de COVID-19 com diarreia, salvaguardando-se as contraindicações específicas de cada grupo de pacientes.

Tendo em vista as considerações acima, sugerimos que o fornecimento de doses diárias de vitaminas, minerais devem ser assegurados a pacientes sob risco de deficiência dos mesmos, visando maximizar a defesa nutricional geral anti-infecção pelo COVID-19.

A suplementação de vitaminas, minerais e probióticos não trata e não previne a infecção por COVID-19, porém pode otimizar a resposta imunológica, atuando como tratamento coadjuvante.

A Associação Brasileira de Nutrologia reforça que uma alimentação adequada é fundamental para a integridade do sistema imunológico. Pacientes sob risco de deficiência podem receber suplementação de acordo com avaliação médica.

Referências Bibliográficas

De Brito TBB, Oliveira TA, Medina TS, et al.. (2019). Acessibilidade, biodisponibilidade e consumo de alimentos ricos em carotenoides e vitamina A em crianças de até 5 anos. Revista de Alimentação, Nutrição e Saúde, 1(1):1-13.

Zhang L, Liu Y. (2020). Potential interventions for novel coronavirus in China: A systematic review. Journal of Medical Virology, 92:479-490

Barazzoni R, Bischoff SC, Krznaric Z, Pirlich M, Singer P, endorsed by the ESPEN Council (2020). ESPEN expert statements and practical guidance for nutritional management of individuals with sars-cov-2 infection, Clinical Nutrition, https://doi.org/10.1016/j.clnu.2020.03.022.

Russell RM, Beard JL, Cousins RJ, et al.. (2001). Dietary reference intakes for vitamin A, vitamin K, arsenic, boron, chromium, copper, iodine, iron, manganese, molybdenum, nickel, silicon, vanadium, and zinc. A Report of the Panel on Micronutrients, Subcommittees on Upper Reference Levels of Nutrients and of Interpretation and Uses of Dietary Reference Intakes, and the Standing Committee on the Scientific Evaluation of Dietary Reference Intakes Food and Nutrition Board Institute of Medicine. Washington, DC: National Academies Press; 2001.

Schwingshackl L, Boeing H, Stelmach-Mardas M, et al.. (2017). Dietary Supplements and Risk of Cause-Specific Death, Cardiovascular Disease, and Cancer: A Systematic Review and Meta-Analysis of Primary Prevention Trials. Advances in Nutrition: An International Review Journal, 8(1):27-39.

Zaatari S, Radecki RP, Spiegel R. (2020). Vitamin C may not help your cold, but can it treat sepsis and acute respiratory distress syndrome? Ann Emerg Med. 2020; 75(3):45

Hemilä H, Chalker E. (2013) Vitamin C for prevention and treating the common cold. COCHRANE DB SYST REV. https://doi.org/10.1002/14651858.CD000980.pub4

Teng J, Pourmand A, Mazer-Amirshahi M. (2018). Vitamin C: the next step in sepsis management?. Journal of Critical Care, 43:230-234.

National Health Commission of the People’s Republic of China. Handbook of COVID-19 Prevention and Treatment. China, 2020. Alibaba Foundation.

Xu K, Cai H, Shen Y, et al. (2020) Management of corona virus disease-19 (COVID-19): the Zhejiang experience. Journal of Zhejiang University (Medical Sciences), 49(1):0-0.

Li LQ, Huang T, Wang YQ, et al. (2020) 2019 novel coronavirus patients’ clinical characteristics, discharge rate, and fatality rate of meta-analysis [published online ahead of print, 2020 Mar 12]. J Med Virol. 10.1002/jmv.25757.

Caccialanza R, Laviano A, Lobascio F, et al . (2020) Early nutritional supplementation in non-critically ill patients hospitalized for the 2019 novel coronavirus disease (COVID-19): Rationale and feasibility of a shared pragmatic protocol. Nutrition (pre-poof). https://doi.org/10.1016/j.nut.2020.110835

Grant WB, Lahore H, McDonnell SL et al.. (2020). Evidence that Vitamin D Supplementation Could Reduce Risk of Influenza and COVID-19 Infections and Deaths. Nutrients, 12(4):988. doi:10.3390/nu12040988

Gombart AF, Pierre A, Maggini S. (2020) A review of micronutrients and the immune system-working in harmony to reduce the risk of Infection.Nutrients, 12(1):236. doi:10.3390/nu12010236

U.S. Institute of Medicine Dietary Reference Intakes for Calcium and Vitamin D; National Academies Press: Washington, D.C, National Academy Press; 2011.

Hewison M. (2010) Vitamin D and the immune system: new perspectives on an old theme. Endocrinol Metab Clin North Am., 39(2):365–379. doi:10.1016/j.ecl.2010.02.010

Calder PC, Carr AC, Gombart AF, et al.. (2020) Optimal Nutritional Status for a Well-Functioning Immune System is an Important Factor to Protect Against Viral Infections. Preprints, 2-9 (Not Peer-Reviewed).

Zumla A, Hui DS, Azhar EI, et al.. (2020) Reducing mortality from 2019-nCoV: host-directed therapies should be an option. The Lancet, 395(10224), e35-e36. https://doi.org/10.1016/S0140-6736(20)30305-6.

Read SA, Obeid S, Ahlenstiel C, et al.. (2019) The Role of Zinc in Antiviral Immunity, Advances in Nutrition, 10(4): 696–710. https://doi.org/10.1093/advances/nmz013.

Mafra D, Cozzolino SMF. (2004) The importance of zinc in human nutrition. Revista de Nutrição-Campinas, 17(1):79-88.

Hoeger J, Simon TP, Beeker T, et al.. (2017) Persistent low serum zinc is associated with recurrent sepsis in critically ill patients-A pilot study. PloS one. 12(5). doi: 10.1371/journal.pone.0176069.

Singer P, Blaser AR, Berger MM, et al.. (2019) ESPEN guideline on clinical nutrition in the intensive care unit. Clinical Nutrition, 38(1):48-79. https://doi.org/10.1016/j.clnu.2018.08.037.

Guillin OM, Vindry C, Ohlmann T, et al.. (2019). Selenium, selenoproteins and viral infection. Nutrients, 11(9):2101. doi:10.3390/nu11092101

Hoffmann PR, Berry MJ. (2008) The influence of selenium on immune responses. Mol Nutr Food Res., 52(11):1273-1280. doi:10.1002/mnfr.200700330

Lima LW, Stonehouse GC, Walters C, et al.. (2019). Selenium Accumulation, Speciation and Localization in Brazil Nuts. (Bertholletia excelsa HBK). Plants, 8(8):289.

Food and Nutrition Board, Panel on Dietary Antioxidants and Related Compounds. Vitamin C. Dietary Reference intakes for vitamin C, vitamin E, selenium, and carotenoids. Washington, DC: National Academy Press; 2000.

Manzanares W, Lemieux M, Langlois PL, et al. (2016) Probiotic and synbiotic therapy in critical illness: a systematic review and meta-analysis. Crit Care. (20):262.

Autores: Ana Lúcia dos Anjos Ferreira, Eline de Almeida Soriano, Isolda Prado de Negreiros Nogueira Maduro, Sandra Lúcia Fernandes e Simone Chaves de Miranda Silvestre, sancionados pela Associação Brasileira de Nutrologia.

Fuente: Abran